Que este seja o meu último cigarro
- Paula Rossi
- 3 de jun. de 2024
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Assim que atravessou a rua, acendeu um cigarro, o último no maço. A única coisa que possuía era a certeza de que jamais voltaria para a casa de onde saíra minutos antes. Deixara para trás não apenas seus objetos pessoais (nada de valor), mas também um afeto (esse de grande valor), o primeiro e único que já tivera em seus quarenta e três, quase quarenta e quatro, anos de vida. O frio chicoteava sua pele como uma lâmina afiada; talvez devesse ter pensado nisso antes de sair sem um cachecol sequer. Deixara tudo para trás, exceto os cigarros, claro.
Provavelmente não teria saído tão às pressas e com o coração em frangalhos se não tivesse visto Marta e Antônio juntos - nus, ocupando o mesmo espaço. Não que estivessem fazendo algo tão errado ou proposital para cravar um punhal em um coração virgem de amor, mas foi o que fizeram.
Então era assim? A dor de amor doía muito mais do que o tiro que sofrera por acidente anos antes, enquanto voltava da padaria onde comprava seus maços. Não sabia se um dia voltaria a ser o mesmo homem que era antes de subir as escadas daquela casa velha e presenciar a cena mais excitante e dolorosa de sua vida. Mas agora, era quem era: um homem com seu cigarro e sem nenhum cachecol.
“Cigarro mata, meu filho”, disse uma senhora meio corcunda que passava arrastando os chinelos e usando uma grossa meia-calça surrada. “Tomara que sim”, respondeu. E, de repente, isso lhe pareceu uma esperança: pelo menos assim não morreria envenenado pelo amor que estava condenado a sentir por Antônio.